quinta-feira, 22 de março de 2012

Dia da água. O que comemorar?

O dia da água nem tem muito o que se comemorar, em Belém. Vejamos o cenário:
Percentual de domicílios com acesso a água ligada à rede e esgoto sanitário adequado - 1991-2010


Neste Município, em 2010, 75,5% dos domicílios tinham acesso à rede de água geral e 68,4% possuíam formas de esgotamento sanitário consideradas adequadas.

No Estado, em 2010, o percentual de moradores urbanos com acesso à rede geral de abastecimento, com canalização em pelo menos um cômodo, era de 47,9%. Com acesso à rede de esgoto adequada (rede geral ou fossa séptica) eram 31,1%.

Esses dados foram tirados do Portal ODM, que é a maior fonte de acompanhamento do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas. As informações revelam que 24,5% da população da cidade não tinha acesso à água. Como se pode conceber que uma cidade que é a Capital do Estado ainda tenha habitantes que não tem acesso à água?! Um elemento vital para o ser humano.

O que se observa é um estado de luta pela sobrevivência, pessoas na iminência da morte por não ter acesso à água. Onde está o Estado Democrático de Direito? Onde está os direito fundamentais? Como se pode pensar em desenvolvimento nessas condições? Como pode se exigir segurança com índices como estes? Será que alguém ainda duvida que a segurança pública está diretamente ligada aos recursos básicos de sobrevivência?

Hoje, não pretendo trazer respostas, prefiro deixar as perguntas: COMO PODE? Como ainda podemos?

quarta-feira, 21 de março de 2012

A delação premiada e sua fragilidade enquanto prova

A delação premiada pode ser admitida como prova? Bom, primeiramente, trata-se de um instituto comumente utilizado em caso que envolvem organizações criminosas, muito embora a lei não defina o que é uma organização criminosa. Mas, a palavra de um co-réu tem valor, no processo penal?

Na verdade, o depoimento de qualquer pessoa já tem sua credibilidade, enquanto prova, fragilizada. Muito se fala no mito da verdade real, como se fosse algo a ser alcançado. O problema não está no adjetivo, mas, sim, no substantivo. Não existe verdade, no processo. O que existe é verossimilhança. Primeiro porque aquele que depõe está expressando apenas uma parcela que lhe cabe da percepção do todo (fato criminoso). O depoente fala sobre sua percepção que não passa de um exercício de memória sobre um acontecimento que, muitas das vezes, aconteceram a mais de ano. A palavra verdade carrega uma carga de certeza que não se pode exigir do depoente, pois ele mesmo não domina o fato como um todo.

Assim, sucintamente temos que a prova testemunhal por si só já é significativamente frágil. Imaginemos agora, a situação do co-réu. Não presta compromisso. É óbvio que não pode prestar compromisso, pois seu interesse em prejudicar os demais réus é latente. Trata-se de uma pessoa que transaciona benefícios legais em troca de fornecer "provas" contra os demais. Ou seja, o lucro do delator está na quantidade de "provas" que fornece. Aí fica a pergunta: até onde pode ir um delator para alcançar seus benefícios? Poderia ele entregar ao processo o que o acusador quer e não o que realmente tem? Quer dizer, é uma "prestação de serviço" onde as partes querem seu lucro. De um lado a acusação tem "elementos para acusar" de outro o delator recebe benefícios. Que valor probatório tem essas informações?

O indivíduo começa a transacionar seu direito ao silêncio, uma barganha de garantia fundamental por liberdade...é por essa razão, pelo caráter inteiramente parcial e de baixíssima credibilidade do premiado delator que não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, que esse instituto perdure e que o depoimento do delator seja usado para a condenação. Assim como o informante não tem compromisso em trazer o mínimo de verossimilhança para o processo, também não o temo o premiado delator, pelo que deve ser sumariamente descartado este ato, que não passa de uma tentativa de diminuição de sua responsabilidade penal por meio de confiabilidade prejudicada.

O direito à informação como base dos direitos fundamentais

De que me adianta apenas ter direitos fundamentais? De que serve um direito se poder usufruir dele? O giro democrático que a Constituição de 1988 trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro precisa ser muito mais do que um documento escrito. É preciso exercer e reconhecer direitos. O desconhecimento de direitos faz com que as pessoas não procurem os órgãos competentes para usufruir deles, por exemplo. Então, cabe ao Estado muito mais do que publicar os atos normativos em diários oficiais.

O diário oficial é uma grande piada jurídica travestida de publicidade. As pessoas não lêem diário oficial e muitas nem sabem do que se trata. É preciso ir além disso. Cabe aos entes públicos dar efetiva publicidade dos direitos fundamentais. Se o indivíduo tem direito a educação, saúde, lazer, um cenário econômico equilibrado, a um meio ambiente sustentável, tudo isso prescinde de iniciativas de publicização como campanhas, atuação permanente dos órgãos públicos não apenas para cobrar a transgressão à norma, mas em orientar as pessoas como devem proceder parar se enquadrar as normas vigentes. Isso se aplica a todos os direitos fundamentais.

No campo penal, o direito a não auto-incriminação é fundamental para que o indivíduo exerça a ampla defesa. São direitos correlatos. Dessa forma para que o indivíduo tenha plena capacidade de exercer o direito de não produzir provas contra si cabe ao ente público garantir a garantia, ou seja, antes mesmo do direito fundamental de não produzir provas contra si insurge o direito fundamental a saber que é titular desse direito. É uma norma pressuposta, que dá validade a garantia expressa.

Em uma situação de abordagem policial, por exemplo, onde comumente o primeiro depoimento do acusado é colhido no momento de sua prisão, pelo policial que a efetuou, porém aquele indivíduo, preso em flagrante, precisa ser advertido, antes mesmo de qualquer ato do policial, de que ele não é obrigado a responder suas perguntas. Trata-se de um momento anterior a própria apresentação do acusado ao Delegado de Polícia, onde, ao menos formalmente, ele é advertido do direito de não produzir prova, assinando um termo, mas, antes essa prerrogativa já pode ter sido violada e as informações que ele inadvertidamente forneceu serão lavradas no depoimento de seu condutor.

De toda forma, para que se possa garantir a norma fundamental é preciso que se garanta seus pressupostos lógicos. O desrespeito a essa norma pode gerar uma nulidade que pode vir a contaminar todo o processo e teremos, então, a impunidade. Quando o procedimento policial é viciado desde sua origem, tudo o que dele decorre também o será. Estamos falando de uma nulidade insanável, pois nada fará com que se volte no tempo e possa se corrigir a fala original. Prova de que Garantia não é sinônimo de impunidade, mas violar garantia sim, pode gerar impunidade.

Assim, o direito à informação é a base dos direitos fundamentais, pois não se pode exigir aquilo que não se conhece...

segunda-feira, 12 de março de 2012

O lugar que o ocupa o Estado na violência

Um dos melhores documentários sobre a violência e o sistema de controle estatal. Antes de fazer juízo de valor é preciso conhecer os fatos, todos eles...qual "verdade" você vai admitir?

Veja aqui.

segunda-feira, 5 de março de 2012

O homem que teve sua morte em vida

Hoje, o caso é tido como a maior violação de direitos humanos do país. Infelizmente, não é único nem tão pouco uma exceção. Veja do que estou falando.

Passei muito tempo lidando com inquérito policial e com cautelares, de um modo geral. Minha luta diária era contra a exigência de documentos pessoais para a concessão de liberdade provisória e, algumas vezes, até para a concessão de relaxamento de prisão em flagrante, como já escrevi diversas vezes, por aqui. Resumindo a história, se não houvesse documento de identidade do preso, comprovante de residência e de ocupação lícita, não tinha seu direito à liberdade reconhecido. Hoje, com a Lei 12.403, o que antes era uma prática, agora é norma escrita: se o juiz tiver dúvida sobre a identidade do acusado é possível a manutenção da prisão. Ou seja, to na dúvida, deixa preso mesmo.

O que aconteceu com esse homem é apenas uma demonstração do descaso da lei penal com o indivíduo, pois mesmo não sendo a pessoa correta para integrar a relação processual, manteve-se preso, anos e anos se passaram, perdeu a visão e sua vida. Fico imaginando o que é ficar cego, na cadeia, por um crime que não cometeu...a pessoa ficou presa perpetuamente, pois a visão de mundo que tinha fora da prisão morreu junto com sua visão...as cores, para ele, são apenas um sonho doce do que sua memória permite imaginar que seja a liberdade.
Enquanto isso, por aqui, continuamos com as prisões por dúvidas...

domingo, 26 de fevereiro de 2012

As condições pessoais ainda são critérios para violações a garantias constitucionais

Após ler uma postagem do Arbítrio do Yúdice, recordei de algumas situações que vivenciei, quando ainda era estagiário da Defensoria Pública do Estado do Pará. Vinculado à Central de Flagrantes, que era responsável por receber as comunicações de prisões em flagrantes da Capital e tomar as medidas jurídicas cabíveis, por diversas vezes me deparei com o grande dilema, para não dizer batalha, a respeito dos documentos pessoais do acusado para a concessão de liberdade provisória. Resumindo a história, se o pedido não fosse acompanhado de cópia de documento de identidade, comprovante de ocupação lícita e comprovante de residência fixa, os pedidos não eram concedidos, ou melhor, pior que isso, não era sequer apreciados.

Mesmo após várias sustentações da ilegalidade e inconstitucionalidade de tal exigência, impetração de Habeas Corpus, enfim, foram meses e meses até que...nada se resolveu. É uma prática do Judiciário que não perdeu forças. A questão central era que pra se falar em manutenção de flagrante (há época) ou conversão de flagrante em preventiva, cautelaridade pura e simples é necessário se preencher um requisito primordial e fundamental: estar o acusado tumultuando ou causando um risco ao processo, AO PROCESSO!!! Simples assim. Toda vez que eu tinha um acusado nessas condições, com todos os pressupostos para responder um possível futuro processo em liberdade, constantemente os pedidos ficavam no limbo do despacho de reserva, por não terem sido juntados tais documentos.

Frise-se que os documentos não eram juntados por má vontade ou pirraça para ver o triunfo de uma tese jurídica. Não eram juntados porque eles não chegavam à Defensoria. A população pouco conhece dos serviços prestados por esta instituição e menos ainda sabem da "necessidade" de se instruir um pedido dessa natureza com documentos pessoais.

Mais delicado ainda era quando o preso era morador de rua. Nessas condições, nem que quisesse poderia juntar comprovante de residência fixa. Muitas vezes também não tinha documentos nem emprego fixo. Então chegamos ao ponto de ponderar os pesos. O direito de liberdade de um indivíduo pode ser tolido por suas condições pessoais? Com certeza ninguém escolhe viver nas condições em que se encontravam. Então, a condição econômica do indivíduo é a grande responsável por definir a abrangência do direito a liberdade. A Constituição da República não faz tal distinção. Pode o juiz vir a fazê-la, quando nem mesmo a lei ordinária o possibilita de fazer tais exigências?

Qualquer pessoa nessas condições passa a ser de responsabilidade do Estado, que deve garantir educação, saúde, segurança, acesso ao mercado de trabalho, enfim, a velha dignidade, que comumente tem sua extensão conceitual variável de acordo com a cara do freguês. O Direito Penal não pode suplantar as garantias individuais de qualquer pessoa, salvo quando legitimamente autorizado para tanto, nos limites da lei e, principalmente, da Constituição, isso só acontece quando de uma sentença com trânsito em julgado ou, excepcionalissimamente, em caso de prisões cautelares legítimas. Não se pode fazer uma leitura a partir do Código Penal ou de Processo. É justamente o inverso o padrão de interpretação. Um juiz não pode confundir seu poder de decretar prisão com sua ânsia, muitas vezes inconsciente, de vindita, é a sua vontade que é limitada pela Carta Maior e não esta por aquela. É preciso que as garantias constitucionais sejam efetivamente incorporadas por aqueles que tem a função garanti-las.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Drogas: de mal individual a um problema social

DROGAS. Tema mais debatido e controvertido, tanto no meio jurídico quanto na sociedade em geral. É o tipo de problema que assola a todos, direta ou indiretamente. Muito embora a origem seja uma vontade irracional de buscar prazer artificial pelo uso de substância química, as proporções a que se chega ultrapassam a esfera da individualidade.

Quando alguém decide usar drogas, não está fazendo nada além do que uma autolesão. O uso de drogas, por si só, não causa mal algum a terceiros. O único prejudicado é o próprio usuário. Mas por que tanto alarde, então? Daí vem a grande pergunta que nunca cala: por que consumir drogas é crime, já que se trata de uma autolesão? Pelo princípio da lesividade, de fato, não é crime, haja vista não causar ofensa a bem jurídico alheio. Sim, os juristas sabem disso. Sim, de acordo com esse princípio pouco importa haver uma lei criminalizando, já que a tipicidade formal, sozinha, não é nada. É sobre essa perspectiva que se baseia o grande debate acerca da descriminalização do uso de determinadas substâncias entorpecentes.

Bom, não se trata de levantar bandeiras, inflamar discursos, ou defender posições sobre se deve ou não ser descriminalizado o uso de drogas, a ideia é apenas chamar atenção para alguns pontos dignos de discussão. O primeiro é: se estamos falando de uma vontade deliberada de consumir a substância entorpecente, seja lá por qual motivo for, algo que não ultrapassa a esfera de individualidade do indivíduo, por que a sociedade deveria se preocupar com isso, ou melhor, pode o Estado intervir nisso?

A questão toda é que apesar de a origem ser um ato que não ultrapassa a esfera da individualidade, mas quando esse ato passa a se tornar habitual, ou seja, quando passa a haver a dependência, podemos, sim, falar em um problema social. O dependente químico deixou de ser apenas um usuário para se tornar alguém que irá manter sua dependência a qualquer custo, inclusive com o cometimento de crimes. Esse contexto acaba levando a um instabilidade que aguça o pânico moral, os "periculosômetros".

O ato de se chegar a criminalizar uma autolesão é o demonstrativo do quanto podemos medir o grau de perniciosidade e invasividade que pode ter o Direito Penal. Pune-se aquele que cria um dano contra si mesmo, pois, quando o faz, alimenta um sistema de tráfico que gera uma insegurança, aumento de criminalidade e, enfim, começa a caça as bruxas. Mas, por que mesmo que aquele dependente químico se tornou usuário? De onde veio essa vontade de usar drogas? Será que ele não sabia de seus males?

Não há como se admitir que, hoje, qualquer pessoa que use drogas desconheça seus efeitos ao organismo. A única resposta a isso é que antes de uma necessidade química tínhamos uma necessidade social, de autoafirmação, de integração em grupos, de falta de estrutura familiar, uma série de fatores que foram determinantes na decisão, individual, de usar a droga. Bom, problemas sociais demandam respostas sociais, mas, o Estado prefere usar de sua arma mais suja e devastadora e incapaz de resolver o problema, utiliza do Direito Penal como o instrumento de controle desses que se tornaram problemas sociais. Resumo: uma tentativa de apagar um fogo com álcool.

Não resistindo a pressões, a Lei 11.343 cria uma espécie, digamos, "mutante" de crime. O artigo 28 prescreve a conduta do consumidor da droga e aplica a ele as penas de: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Curioso, no mínimo. Primeiro que nem se poderia chamar isso de crime, pois não prevê pena de prisão cumulada ou não com multa. Segundo, parece que o legislador atentou para o tal principio da lesividade, mas não abriu mão de intervir de forma direta sobre o dependente químico. Parece mais com uma forma de dizer: ainda mando por aqui.

Enquanto o Estado não sabe o que fazer com esse problema social e continua a deixar que o sistema penal ponha suas guarras sobre os dependentes, ele continua fechando o cerco contra os traficantes, colocando-os entre os primeiros lugares dos grandes males do mundo, quando, na verdade, a lógica do tráfico é bem simples e igual a de mercado, enquanto existir quem compre existirá quem venda, ou seja, é o consumidor, o usuário, que passa a categoria de dependente a verdadeira causa do grande negócio do tráfico. Como se resolve este impasse, ainda não se sabe ou ainda não se admite.

Porém, não adianta rogar todas as pragas do Egito contra o traficante, até porque nem todo mundo que é preso por tráfico é um mega traficante, ou melhor, quase a unanimidade dos presos por tráfico não são. O Estado não consegue diminuir o tabagismo e aumenta a carga tributária sobre o cigarro, da mesma forma, não consegue controlar o consumo e aperta a punição para o lado do trafico. Não me entendam mal, não estou defendendo o tráfico, mas é preciso agir com coerência.

Por muito tempo se discutiu a constitucionalidade da vedação da pena restritiva de direitos para o condenado por tráfico. Até que veio o Supremo Tribunal Federal e botou fim na história, decidindo pela inconstitucionalidade. Agora, no dia 15 de fevereiro de 2012, o Senado aprovou Resolução nº 05/2012, formalizando aquilo que o STF já havia decidido. Atenção aqueles que acabaram de comprar um Vade Mecum novo, sinto muito, já esta desatualizado.

De toda sorte, nós, enquanto cidadãos, toda vez que nos depararmos com um dependente químico, não podemos mais olhar com desprezo e achar que não é problema nosso. Devemos assumir um papel ativo no combate as drogas, da maneira que nos cabe, tratando como um grande problema social e eliminando a origem, agindo como uma verdadeira comunidade, sem medo de sermos tachados como caretas, ou qualquer outro adjetivo que possam nos impor. Afinal, nós sofremos as consequencias da falta de assistência. Isso sim será um grande ato de segurança pública.