domingo, 26 de fevereiro de 2012

As condições pessoais ainda são critérios para violações a garantias constitucionais

Após ler uma postagem do Arbítrio do Yúdice, recordei de algumas situações que vivenciei, quando ainda era estagiário da Defensoria Pública do Estado do Pará. Vinculado à Central de Flagrantes, que era responsável por receber as comunicações de prisões em flagrantes da Capital e tomar as medidas jurídicas cabíveis, por diversas vezes me deparei com o grande dilema, para não dizer batalha, a respeito dos documentos pessoais do acusado para a concessão de liberdade provisória. Resumindo a história, se o pedido não fosse acompanhado de cópia de documento de identidade, comprovante de ocupação lícita e comprovante de residência fixa, os pedidos não eram concedidos, ou melhor, pior que isso, não era sequer apreciados.

Mesmo após várias sustentações da ilegalidade e inconstitucionalidade de tal exigência, impetração de Habeas Corpus, enfim, foram meses e meses até que...nada se resolveu. É uma prática do Judiciário que não perdeu forças. A questão central era que pra se falar em manutenção de flagrante (há época) ou conversão de flagrante em preventiva, cautelaridade pura e simples é necessário se preencher um requisito primordial e fundamental: estar o acusado tumultuando ou causando um risco ao processo, AO PROCESSO!!! Simples assim. Toda vez que eu tinha um acusado nessas condições, com todos os pressupostos para responder um possível futuro processo em liberdade, constantemente os pedidos ficavam no limbo do despacho de reserva, por não terem sido juntados tais documentos.

Frise-se que os documentos não eram juntados por má vontade ou pirraça para ver o triunfo de uma tese jurídica. Não eram juntados porque eles não chegavam à Defensoria. A população pouco conhece dos serviços prestados por esta instituição e menos ainda sabem da "necessidade" de se instruir um pedido dessa natureza com documentos pessoais.

Mais delicado ainda era quando o preso era morador de rua. Nessas condições, nem que quisesse poderia juntar comprovante de residência fixa. Muitas vezes também não tinha documentos nem emprego fixo. Então chegamos ao ponto de ponderar os pesos. O direito de liberdade de um indivíduo pode ser tolido por suas condições pessoais? Com certeza ninguém escolhe viver nas condições em que se encontravam. Então, a condição econômica do indivíduo é a grande responsável por definir a abrangência do direito a liberdade. A Constituição da República não faz tal distinção. Pode o juiz vir a fazê-la, quando nem mesmo a lei ordinária o possibilita de fazer tais exigências?

Qualquer pessoa nessas condições passa a ser de responsabilidade do Estado, que deve garantir educação, saúde, segurança, acesso ao mercado de trabalho, enfim, a velha dignidade, que comumente tem sua extensão conceitual variável de acordo com a cara do freguês. O Direito Penal não pode suplantar as garantias individuais de qualquer pessoa, salvo quando legitimamente autorizado para tanto, nos limites da lei e, principalmente, da Constituição, isso só acontece quando de uma sentença com trânsito em julgado ou, excepcionalissimamente, em caso de prisões cautelares legítimas. Não se pode fazer uma leitura a partir do Código Penal ou de Processo. É justamente o inverso o padrão de interpretação. Um juiz não pode confundir seu poder de decretar prisão com sua ânsia, muitas vezes inconsciente, de vindita, é a sua vontade que é limitada pela Carta Maior e não esta por aquela. É preciso que as garantias constitucionais sejam efetivamente incorporadas por aqueles que tem a função garanti-las.

Um comentário:

  1. Muito interessante teu blogger. Venho acompanhando-o, ainda que esporadicamente tuas postagens.

    É com grande grado que leio o texto, que verte nos preceitos constitucionais.

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