quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Drogas: de mal individual a um problema social

DROGAS. Tema mais debatido e controvertido, tanto no meio jurídico quanto na sociedade em geral. É o tipo de problema que assola a todos, direta ou indiretamente. Muito embora a origem seja uma vontade irracional de buscar prazer artificial pelo uso de substância química, as proporções a que se chega ultrapassam a esfera da individualidade.

Quando alguém decide usar drogas, não está fazendo nada além do que uma autolesão. O uso de drogas, por si só, não causa mal algum a terceiros. O único prejudicado é o próprio usuário. Mas por que tanto alarde, então? Daí vem a grande pergunta que nunca cala: por que consumir drogas é crime, já que se trata de uma autolesão? Pelo princípio da lesividade, de fato, não é crime, haja vista não causar ofensa a bem jurídico alheio. Sim, os juristas sabem disso. Sim, de acordo com esse princípio pouco importa haver uma lei criminalizando, já que a tipicidade formal, sozinha, não é nada. É sobre essa perspectiva que se baseia o grande debate acerca da descriminalização do uso de determinadas substâncias entorpecentes.

Bom, não se trata de levantar bandeiras, inflamar discursos, ou defender posições sobre se deve ou não ser descriminalizado o uso de drogas, a ideia é apenas chamar atenção para alguns pontos dignos de discussão. O primeiro é: se estamos falando de uma vontade deliberada de consumir a substância entorpecente, seja lá por qual motivo for, algo que não ultrapassa a esfera de individualidade do indivíduo, por que a sociedade deveria se preocupar com isso, ou melhor, pode o Estado intervir nisso?

A questão toda é que apesar de a origem ser um ato que não ultrapassa a esfera da individualidade, mas quando esse ato passa a se tornar habitual, ou seja, quando passa a haver a dependência, podemos, sim, falar em um problema social. O dependente químico deixou de ser apenas um usuário para se tornar alguém que irá manter sua dependência a qualquer custo, inclusive com o cometimento de crimes. Esse contexto acaba levando a um instabilidade que aguça o pânico moral, os "periculosômetros".

O ato de se chegar a criminalizar uma autolesão é o demonstrativo do quanto podemos medir o grau de perniciosidade e invasividade que pode ter o Direito Penal. Pune-se aquele que cria um dano contra si mesmo, pois, quando o faz, alimenta um sistema de tráfico que gera uma insegurança, aumento de criminalidade e, enfim, começa a caça as bruxas. Mas, por que mesmo que aquele dependente químico se tornou usuário? De onde veio essa vontade de usar drogas? Será que ele não sabia de seus males?

Não há como se admitir que, hoje, qualquer pessoa que use drogas desconheça seus efeitos ao organismo. A única resposta a isso é que antes de uma necessidade química tínhamos uma necessidade social, de autoafirmação, de integração em grupos, de falta de estrutura familiar, uma série de fatores que foram determinantes na decisão, individual, de usar a droga. Bom, problemas sociais demandam respostas sociais, mas, o Estado prefere usar de sua arma mais suja e devastadora e incapaz de resolver o problema, utiliza do Direito Penal como o instrumento de controle desses que se tornaram problemas sociais. Resumo: uma tentativa de apagar um fogo com álcool.

Não resistindo a pressões, a Lei 11.343 cria uma espécie, digamos, "mutante" de crime. O artigo 28 prescreve a conduta do consumidor da droga e aplica a ele as penas de: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Curioso, no mínimo. Primeiro que nem se poderia chamar isso de crime, pois não prevê pena de prisão cumulada ou não com multa. Segundo, parece que o legislador atentou para o tal principio da lesividade, mas não abriu mão de intervir de forma direta sobre o dependente químico. Parece mais com uma forma de dizer: ainda mando por aqui.

Enquanto o Estado não sabe o que fazer com esse problema social e continua a deixar que o sistema penal ponha suas guarras sobre os dependentes, ele continua fechando o cerco contra os traficantes, colocando-os entre os primeiros lugares dos grandes males do mundo, quando, na verdade, a lógica do tráfico é bem simples e igual a de mercado, enquanto existir quem compre existirá quem venda, ou seja, é o consumidor, o usuário, que passa a categoria de dependente a verdadeira causa do grande negócio do tráfico. Como se resolve este impasse, ainda não se sabe ou ainda não se admite.

Porém, não adianta rogar todas as pragas do Egito contra o traficante, até porque nem todo mundo que é preso por tráfico é um mega traficante, ou melhor, quase a unanimidade dos presos por tráfico não são. O Estado não consegue diminuir o tabagismo e aumenta a carga tributária sobre o cigarro, da mesma forma, não consegue controlar o consumo e aperta a punição para o lado do trafico. Não me entendam mal, não estou defendendo o tráfico, mas é preciso agir com coerência.

Por muito tempo se discutiu a constitucionalidade da vedação da pena restritiva de direitos para o condenado por tráfico. Até que veio o Supremo Tribunal Federal e botou fim na história, decidindo pela inconstitucionalidade. Agora, no dia 15 de fevereiro de 2012, o Senado aprovou Resolução nº 05/2012, formalizando aquilo que o STF já havia decidido. Atenção aqueles que acabaram de comprar um Vade Mecum novo, sinto muito, já esta desatualizado.

De toda sorte, nós, enquanto cidadãos, toda vez que nos depararmos com um dependente químico, não podemos mais olhar com desprezo e achar que não é problema nosso. Devemos assumir um papel ativo no combate as drogas, da maneira que nos cabe, tratando como um grande problema social e eliminando a origem, agindo como uma verdadeira comunidade, sem medo de sermos tachados como caretas, ou qualquer outro adjetivo que possam nos impor. Afinal, nós sofremos as consequencias da falta de assistência. Isso sim será um grande ato de segurança pública.

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